A transferência do controle da Amazonas Energia está se tornando uma novela eletrizante, envolvendo grupos empresariais influentes, um dos Ministros mais poderosos do Governo Lula – e uma agência reguladora espremida no meio.  Em jogo: o futuro da Amazonas Energia, uma empresa historicamente deficitária e tragicamente endividada que fornece energia para os rincões mais remotos
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A transferência do controle da Amazonas Energia está se tornando uma novela eletrizante, envolvendo grupos empresariais influentes, um dos Ministros mais poderosos do Governo Lula – e uma agência reguladora espremida no meio. 

Em jogo: o futuro da Amazonas Energia, uma empresa historicamente deficitária e tragicamente endividada que fornece energia para os rincões mais remotos do País, onde impera a selva, faltam estradas e o custo logístico é proibitivo – sem falar em perdas técnicas e roubo de energia que lideram os rankings nacionais.

A saga começou em junho, quando a J&F Investimentos, a holding dos irmãos Joesley e Wesley Batista, concordou em pagar R$ 4,7 bilhões pelas térmicas da Eletrobras que geram a energia distribuída pela Amazonas Energia – e manifestou à ANEEL o desejo de assumir a concessão.

Dias depois, o Governo publicou uma MP que transformava essas térmicas em “energia de reserva” – na prática, deletando a maior linha de custo da Amazonas Energia e repassando a conta para os consumidores de todo o Brasil.  Além disso, a MP dava segurança regulatória para outras mudanças no contrato de concessão da Amazonas Energia. 

Foi uma canetada que deixou a empresa mais próxima do equilíbrio financeiro e fez a compra das térmicas pela J&F começar a fazer sentido para quem olhava de fora. 

Assistindo das arquibancadas, dois grupos empresariais não gostaram nada do que viram: o BTG Pactual, que controla a Eneva; e a Termogás, do empresário Carlos Suarez, um dos maiores investidores de gás do País.

Ambos certamente teriam olhado as térmicas da Eletrobras com mais carinho se soubessem da arbitragem regulatória que estava a caminho. 

Meses depois, no entanto, a J&F ainda não conseguiu concluir a transação. Tanto a compra das térmicas quanto a transferência de controle da Amazonas Energia estão no meio de um tiroteio na ANEEL, a agência que tem que canetar tudo. 

Pior: a ANEEL hoje tem apenas quatro dos cinco diretores que deveria – levando a empates frequentes entre a metade que apoia a transação da J&F e a metade que quer mudar os termos do negócio.  

A pressão da J&F é para que a agência reguladora aprove a compra da Amazonas Energia nos exatos termos que foram propostos pela Âmbar, a holding de energia dos irmãos Batista. 

O caso – que está capturando a atenção do setor elétrico, da Faria Lima e da classe política – envolve uma pressão pública do Ministro Alexandre Silveira, que quer ver o negócio fechado; recursos à Justiça comum; ameaças de prisão dos diretores da ANEEL; e empates que mostram uma agência rachada ao meio.

O drama – que alguns já apelidaram de ‘ANEELflix’, dadas as reviravoltas quase diárias no caso – está testando os limites da autonomia das agências reguladoras do Brasil, que têm sido esvaziadas pelo Executivo e capturadas por setores do Legislativo nos últimos anos.

“Um dia um grupo está por cima; no outro muda completamente. É um drama, quase um filme,” disse uma fonte que acompanha o processo de perto. 

No centro da questão está o chamado custo de flexibilização, ou seja, quanto a Amazonas Energia poderá repassar de perdas para a tarifa do consumidor brasileiro. 

A Âmbar diz que precisa repassar R$ 15,8 bilhões nos próximos 15 anos – mas que topa R$ 14 bi. Num voto 3-1 (depois de dois empates), a ANEEL topou R$ 8 bi.

A Âmbar diz que, se a agência não mudar de ideia, vai desistir de assumir a concessão, deixando o Governo Lula com uma bomba na mão: a necessidade de intervir na Amazonas Energia, e desta vez sem o apoio técnico (e financeiro) da Eletrobras, agora uma empresa privada. Neste caso, a conta não ficaria exclusivamente com os consumidores de energia, e sim com o contribuinte, dado que o Tesouro teria que aportar recursos na empresa. 

Na quarta passada, quando ainda prevalecia o impasse, a Justiça intimou a agência — algo incomum — dando 48 horas para que ela concluísse a transferência da Amazonas para a Âmbar. Ainda mais estranho: a intimação exigia que a transferência fosse feita nos termos em que os compradores propuseram, sem margem para um julgamento técnico da agência.

No dia seguinte, a ANEEL recorreu da liminar, argumentando que a decisão era uma “latente afronta à separação dos poderes,” já que cabe à agência reguladora decidir o mérito de seus processos administrativos. 

Segundo a Agência Infra, que está fazendo a melhor cobertura do caso, o recurso dizia ainda que a análise técnica feita pela ANEEL mostrava “inúmeros problemas” no plano de transferência feito pela J&F. 

“Asseverou-se, por exemplo, que as trajetórias de flexibilização formuladas para perdas não-técnicas, custos operacionais e receitas irrecuperáveis não são as mais adequadas,” dizia o documento. “As pretensas controladoras não apresentaram mecanismos de compartilhamento dos ganhos de eficiência que pudessem ser implementados desde o primeiro ciclo tarifário de cinco anos.”

Há uma sensibilidade de tempo que torna o caso ainda mais complexo: a ANEEL precisa aprovar a transação até 10 de outubro, a data em que  expira a MP que permite a transferência de controle. 

Na primeira votação da ANEEL houve um empate, com dois diretores (o relator Ricardo Tili e Fernando Mosna) votando para negar a transferência nos termos propostos pela J&F e aprová-la apenas com flexibilizações de R$ 8 bilhões. 

Já os outros dois diretores (o diretor-geral Sandoval Feitosa e Agnes Costa) votaram por aprovar a transferência com flexibilizações de R$ 14 bilhões. 

A Ambar acatou essa segunda proposta, fazendo uma nova oferta com os R$ 14 bilhões, além de concordar com um aporte de capital de R$ 6,5 bilhões na operação e com a quitação das dívidas da companhia. 

Na sexta passada, a situação ficou ainda mais caótica. 

A Amazonas Energia ajuizou uma ação pedindo que Sandoval aprovasse a transferência de controle por meio de um voto de desempate. A companhia pediu ainda que, caso o diretor não cumpra a nova ordem, os “agentes envolvidos” sejam afastados e presos. Outro pedido: que o Ministério de Minas e Energia instaure um interventor na ANEEL para cumprir as determinações.

Na sequência, Sandoval decidiu mudar seu voto, passando a acompanhar o entendimento do relator — de que as flexibilizações tinham que ser limitadas a R$ 8 bilhões.  Pela primeira vez, formou-se uma maioria no processo. 

Mas a decisão, naturalmente, não agradou à Âmbar  nem ao Governo. Na terça-feira, a companhia dos Batista se manifestou dizendo que não seguiria com a transação nos termos decididos pela ANEEL. Ontem, enviou um pedido de reconsideração da decisão.

A companhia disse que as flexibilizações de R$ 8 bilhões em 15 anos são insuficientes para restabelecer o equilíbrio financeiro da concessão – e repetiu que pode se levantar da mesa.

Alexandre Silveira pegou mais pesado: disse que a agência trabalha contra o País e contra o Governo.

“A questão do custo de energia do Brasil ser responsabilidade dela [a ANEEL], de certa forma, me tranquiliza, mas ao mesmo tempo me preocupa muito. Se ela se alinhar às políticas públicas do Governo, vai me alegrar. Se ela continuar sendo uma agência que trabalha contra o País e contra o Governo, e boicotando inclusive o Governo, essa questão de ela bater no peito e chamar a questão dos custos tarifários para ela, vai me preocupar muito,” disse o Ministro.

Um executivo do setor pondera que a discussão é extremamente sensível, e que é difícil dizer quem está certo e quem está errado. “Há erros e acertos dos dois lados,” disse ele, acrescentando que os argumentos dos dois lados tem seus méritos. 

“A Âmbar argumenta que, se ela aceitar os R$ 8 bi, daqui a dois anos a situação vai estar igual a como está hoje, porque o valor não é suficiente para cobrir as perdas. Já a ANEEL diz que a conta do consumidor vai subir muito se eles aceitarem uma flexibilização de R$ 14 bilhões, o que também é verdade.”

A J&F ainda corre um risco. O processo sobre a compra das térmicas — que as transformaria em ‘energia de reserva’, fazendo o consumidor brasileiro pagar por aquela energia — está empatado em 2 a 2 na ANEEL. 

Se a Âmbar perder este processo, as térmicas que já foram da Eletrobras se tornariam uma bomba: os Batista teriam nas mãos um negócio cujo cliente (a Amazonas Energia) simplesmente não tem como pagar a conta.

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