BARCELONA — Em O Menino e a Garça, de Hayao Miyazaki, uma ardilosa e insuspeita garça convence um obstinado menino a atravessar um portal e entrar em um mundo meio fantástico, meio tétrico para ir atrás de algo que ele deseja muito. É uma dinâmica que se assemelha a algumas experiências gastronômicas. Definitivamente não por
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BARCELONA — Em O Menino e a Garça, de Hayao Miyazaki, uma ardilosa e insuspeita garça convence um obstinado menino a atravessar um portal e entrar em um mundo meio fantástico, meio tétrico para ir atrás de algo que ele deseja muito.

É uma dinâmica que se assemelha a algumas experiências gastronômicas.

Definitivamente não por culpa dos profissionais que idealizam e executam experiências sensoriais complexas e, por vezes, transformadoras – mas porque tem muita garça mentirosa por aí. E o menino, no afã de viver algo inédito, tende a procurar intenção, novidade, narrativa em qualquer coisa (e a qualquer custo).

Nos fundos do Sips, eleito o melhor bar do mundo no ano passado pelo 50 Best, existe um universo paralelo assim: um ‘bar dentro do bar’ em que o único produto é um menu degustação etílico.

É preciso atravessar o salão principal, que funciona com pouquíssima iluminação, para encontrar o portal. Um longo e sufocante corredor encortinado com tiras finas de PVC semitranslúcidas.

Quando os olhos se habituam à luz fria do ambiente, você se vê num segundo salão envolto pelas mesmas cortinas e lados simétricos, cada um com um balcão para a montagem das 10 etapas do menu e seis postos de degustação. Há dois turnos de serviço: às 19 hs e 21 hs. (Você sai dali para jantar em outro lugar na sequência.)

Caem do teto pintado com aquarelas azuis e brancas dezenas de luminárias prateadas — longas, finas e cilíndricas — que formam pequenos focos de luz amarelada nos balcões. O lugar toca uma música tranquila e indiscriminada, estilo “Lo-Fi para estudar.”

Primeiro chega o dispensável ‘cardápio’. Uma peça de plástico made in impressora 3D que imita uma esponja-do-mar (seguindo o tema marinho do salão). Ao olhar por uma das cavidades, é possível ler algumas palavras que juntas não formam nenhuma frase.

E aí começa. A experiência, chamada Esencia, é dividida em cinco temas e apresentada como uma viagem: Tóquio, bosque nevado, Jerez, ácido fólico e teobromina (um estimulante cardíaco). 

O primeiro dos 10 drinques é o saquê com Porto branco, acompanhado por um acepipe de melão com missô que deve ser engolido de uma vez. Limpa as vias, refresca e te faz confiar no processo.

Na sequência, o Sips faz uma releitura do highball – geralmente um whisky com ginger ale ou uma soda cítrica qualquer.  Aqui, ele é feito com whisky defumado e soda de calamansi (uma fruta cítrica do Sudeste Asiático). Esfumaça a boca, não queima a garganta, e já te deixa nas cordas. Você oficialmente entra no clima.

Dali para frente, é fantasia. 

Da floresta gelada, vem uma bola de gelo espetada com folhinhas lambrecadas de mel. Lambidas as folhas, o barman despeja no mesmo recipiente uma dose a base de vinho com licores de musgo e resina que é tipo lamber uma árvore – se lamber uma árvore fosse bom.

O próximo drinque – extremamente amadeirado e gorduroso – é uma fusão de três variedades de Jerez (palo cortado, oloroso e amontillado) harmonizada com pasta e azeite de avelã e escamas de sal Maldon.

O azeite real, de oliva mesmo, surge em outro momento e em gotas — no picante bloody mary de cenoura e ouriço do mar.

Nessa altura, o paladar já pede alguma doçura – e o pedido é atendido com um drinque-sobremesa que leva suco de cereja ácida, licores de cereja e ervas, nibs de cacau, pimenta rosa e leite de amêndoas. Tudo que um bombom de cereja sonhou em ser um dia.

Para finalizar, um último truque. Um suposto docinho no formato de um tomate e casquinha de manteiga de cacau e pasta de avelã. Recheio sólido, né? Não: suco de laranja.

Não vá esperando um mega porre, ainda que ao passar pelas cortinas no caminho de volta a vida já pareça mais leve.

Mesmo sem mastigar nada, a sensação que fica é de saciedade completa. Talvez uma declaração sobre a engenhosidade incontestável das bebidas do Sips. (Se for lá depois de ler este texto, pergunte à garça.)

O Sips foi fundado há apenas três anos por Marc Álvarez, um espanhol que comandou os bares do grupo elBarri por oito anos; o elBarri, que fechou depois da pandemia, era um projeto de Albert Adrià, irmão do celebrado chef do elBulli.

O outro fundador do Sips é Simone Caporale, o italiano que levou o Artesian at The Langham, em Londres, ao posto de melhor bar do mundo por quatro anos seguidos.

A experiência é servida para grupos de até 4 pessoas, custa 75 euros por cabeça e funciona de quinta a sábado. 

Agora em outubro, criaram uma versão estendida, com 15 fases – mas essa aí, eu não me responsabilizo se der porre.

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